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A Vida Mentirosa dos Adultos (2023)

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Traduzir um livro para o cinema não é uma tarefa fácil. Em nenhum momento. Não é raro um roteirista ficar decepcionado com a leitura de um diretor quanto sua escrita. Dirá um escritor ver seus personagens (talvez) fictícios se transformarem em carne e osso, com gestos e trejeitos, sotaques e manias que foram adaptados para caber em uma tela, seja ela do cinema, celular ou streaming. Elena Ferrante deve ter alguns sofrimentos nesta transformação.

Tendo a primeira edição em 2019, o livro “A Vida Mentirosa dos Adultos” foi adaptado para a telinha e lançada este ano pela Netflix. A adolescência da introspectiva Giovanna frente a descobertas familiares vão transformando seu cotidiano e seu corpo, ao ponto das explosões de seu rosto e suas súplicas por entendimento serem pouco percebidos pelos pais, que estando em um relacionamento conturbado não conseguem dar a atenção necessária. Ela acaba encontrando porto seguro em sua tia Victória, parente afastada por desavenças familiares mas que demonstra interesse na pequena, o que acaba por abrir antigas chagas.

Sou contra adaptações grandiosas do cinema ou da literatura estarem disponíveis a “um clique”, onde se pode pausar, retroceder, olhar o celular, atender a porta, brigar com os filhos, dar comida aos gatos e cachorros, responder um e-mail de trabalho, combinar uma noitada ou ainda continuar no dia seguinte. É perdida ali a essência da grande arte. A percepção de cores, a intenção subjetiva nas falas sem poder submergir ao quase inconsciente dos personagens mais densos. E estão cada vez mais raros personagens trabalhados, uma vez que este mesmo público que tem diversos subterfúgios para lhe escapar a intensidade e não faz muita questão de tentar buscar algo assim. As banalidades de “pow” e “bang” são mais fáceis de serem compreendidas pelos mais alheios.

Mas ao mesmo tempo posso dizer que “A Vida Mentirosa dos Adultos” não é uma série fácil de ser absorvida. Não pela complexidade da escrita de Ferrante, mas pela falta de empatia em relação ao livro. Tenho a impressão de que fora feito uma adaptação literal, sem tirar nem por do livro (com exceção da protagonista que, fria traz uma nova percepção quase “dark“) e que ao mesmo tempo não consegue ir ao cerne dos personagens mais distantes e suas correlações. A roda viva que é apresentada no livro, que gira e se completa a cada volta, acaba se tornando reta e demasiadamente pacata para quem não está acostumado com a autora, ou ainda não tem o hábito de se deter aos pormenores da produção. Morosa e lenta, acaba por entediar o espectador tirando o mérito da literata.

Não é de todo perdido o lastro napolitano da autora: ainda é possível interagir com a trilha sonora que entre anos 80 e 90 flutua, que se mistura aos clássicos antifascistas como “Bella Ciao”. As belas fotografias criadas são um belo regalo na paisagem da cidade que fulgura entre o neoclássico e suburbano. Nota-se o esforço da direção em segurar o espectador, mas não conseguindo nem engajar, nem emocionar. E passando muito, mas muito longe dos monstros Bertolucci e Tornatore. Era pedir demais, né?

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